55 anos da Nouvelle Vague é tema de exposição no MIS

Foto: divulgação

 Em comemoração aos 55 anos da Nouvelle Vague, o MIS – Museu da Imagem e Som de São Paulo – exibe a mostra “55 anos de Nouvelle Vague“. A exposição, que tem duração do dia 3 ao dia 8 de setembro, conta com trabalhos dos cinco principais expoentes do movimento francês (Godard, Truffaut, Rohmer, Chabrol e Rivette), e algumas obras de cineastas fortemente associados à ela, como “O Ano Passado em Marienbad” de Alain Resnais, “Cléo das 5 às 7” de Agnes Varda e “Trinta Anos Essa Noite” de Louis Malle.

Os filmes serão exibidos no formato 35mm, ou seja, no formato original de cinema, sem reprodução digital. Além disso, o crítico Luiz Carlos Merten estará presente no dia 5 de setembro ao lado da pesquisadora Laura Carvalho para um debate sobre o movimento.

A Nouvelle Vague foi um movimento cinematográfico que surgiu na França no fim dos anos cinquenta e tem como destaque artistas herdeiros de uma tradição de críticas cinematográficas encabeçadas por André Bazin.

Nos filmes da Nouvelle Vague está incutida a noção forte da “política de autores”, teoria cinematográfica elaborada por Bazin e cia. que acreditava no cineasta como detentor de todo o processo do fazer cinema (o metteur-en-scène). No entanto, seus ancestrais comuns de cinefilia e parceria crítica resultariam filmes muito distintos entre si.

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Enquanto Godard já dava sinais de sua tendência política (que viria a ser desenvolvida de maneira mais enfática nos anos 70), Truffaut se preocupava com um cinema mais autobiográfico e literário. Rohmer, por sua vez, enxergava o cinema como um meio para o entendimento da natureza humana e da moral, carregando a sua obra de símbolos do cotidiano e do lugar comum que a tornam quase naturalista e realista.

A curadora da mostra, Alessandra Dorgan, argumenta que a importância de se ter uma exibição como essa é a oportunidade que a população tem para ver e rever filmes importantes da história do cinema, além de poder contar com a exibição do filme em película que proporciona uma experiência mais completa com a obra.

Quando questionado sobre a recepção do público, Alessandra é enfática ao dizer: “Minha expectativa era de cinéfila apaixonada pela Nouvelle Vague, mas em vista do retorno e agitação na mídia social nos últimos dias com a chegada da notícia da mostra, estou bem otimista com o número de público, concretamente falando”.

Confira abaixo o trailer do filme “Os Incompreendidos”, de François Truffaut, de 1959.

Para conferir a programação completa da mostra, clique aqui.

Entrevista:

O crítico de cinema Bernardo Brum, do portal Cineplayers e do blog Cine Cafe, explica um pouco a relevância do movimento na cultura pop e no desenvolvimento do cinema contemporâneo.

Como você enxerga a Nouvelle Vague enquanto crítico de cinema e enquanto cineasta (falando em aspectos distintos do Bernardo como pessoa). No que ela te influencia enquanto crítico e no que influencia enquanto cineasta? Divergem bastante?

Acho que é difícil responder isso enquanto cineasta, já que cada diretor tinha sua premissa partindo de um acordo comum, que a gente tem que reconhecer enquanto crítico: a de levar o nome do diretor como principal nome em um filme, e os filmes como partes integrantes de uma “obra” continuada. Hoje é difícil um diretor de cinema, tanto das grandes indústrias quanto os mais artesanais, não pensarem assim; apesar dos esforços contrários, a tendência é que o cinema fique, cada vez mais, uma expressão subjetiva, seja o tailandês “Tio Boonmee” ou o novo “Muito Barulho Por Nada”, adaptação shakespereana do diretor de Vingadores: são reflexos de mentes criativas e não de pesquisa, publicidade, etc.  Portanto, como crítico, avalio cada diretor e roteirista como artista; assim como Dostoievski era o artista dos excessivos e dos desesperados, Scorsese é o diretor da ethos cristã em eterno contraste com a pathos urbana, por aí vai. Enquanto diretor, enxergo igualmente a necessidade de erguer o meu cinema, a minha expressão pessoal.

Quais cineastas você apontaria que são herdeiros diretos dessa escola francesa?

Diria que os mais próximos disso hoje em dia, bem sucedidos no seu intuito, são diretores como Michael Haneke, Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar. O pensamento deles de construir cinema tem uma influência clara, mesmo não sendo a única referência no trabalho de cada um.

A Nouvelle Vague foi um movimento fortemente ligado à cultura pop da época, como o imaginário francês da revista Vogue e do cantor Serge Gainsbourg. O quanto esse imaginário influenciou na obra de alguns cineastas e o quanto eles foram criadores de tendência?

Acredito que isso aconteça porque a nouvelle vague trouxe à tona uma tentativa de eliminar conceitos como alta cultura e baixa cultura: tanto faz se é um filme b de gângster ou E o vento Levou, é seu dever julga-los no mesmo patamar de seriedade, e cada um pelo que representam; cada um é uma visão de mundo. Dessa forma, a própria nouvelle vague tinha diretoresm uito variados entre si, que se utilizavam da música e da moda da época de forma “sincrética”: os filmes da primeira fase do Godard, por exemplo, eram tão existencialistas e complexos quanto pop e simples, porque o imaginário não é uma coisa ou outra, mas várias. O Gainsbourg, como gostava dessas contradições (sexo e tabu, música pop e chanson, cultura ocidental e jazz e vodu e reggae) caiu como uma luva nessa geração que experimentou tudo em matéria de sincretismo.

Mesmo passado 55 anos do surgimento da Nouvelle Vague o quão atual o movimento ainda é?

Não há como mensurar, ao lado do neo-realismo e de Cidadão Kane, a importância exata da nouvelle vague. Sem esses movimentos, talvez o cinema ainda fosse considerado menor, os diretores não fossem considerados artistas, a expressão subjetiva fosse preterida para favorecer uma indústria despersonalizada. Eles que revogaram o cinema como arte auto-suficiente, ainda que sincrética de todas as outras, e aqueles que a executam como artesãos e não como funcionários.